Na conclusão de Mountain Movers: Mining, sustainability and the agents of change, um clássico de 2015, Daniel Franks pergunta: The mines are they a-changin’? Em tradução livre do inglaustraliano, o autor, jogando com as palavras, questiona se a mineração está mudando – e se ela é agente de uma mudança maior, capaz de reconciliar desenvolvimento e demandas sociais.
A retrospectiva regulatória da mineração brasileira em 2020 proposta aqui indica que entramos, de fato, em uma possível rota de mudança positiva. E para saber se esse caminho permanecerá consistente, nada mais adequado do que compartilhar ideias sobre as tendências para o próximo ano, ouvindo as reflexões de algumas cabeças pensantes que dão nova voz à mineração – e que podem ajudar a responder ao questionamento de Franks.
Inauguramos aqui o BigMiningIdeas, espaço compartilhado com gestores, advogados, empreendedores e professores, listando nove tendências que deverão ser a pauta da mineração em 2021.
Mudança de processos e ampliação do compartilhamento social
“Entre as várias tendências para a mineração em 2021, uma se destacará: a necessidade de se repensar os processos, criando novos modelos que entreguem mais resultado para a comunidade. A indústria continuará sendo pressionada a oferecer uma contraprestação relevante para a sociedade, demonstrando engajamento mais efetivo – e não só propositivo – em pautas de segurança, diversidade, transparência, governança e sustentabilidade. A mineração vivenciará uma oportunidade única de, ao “fazer diferente”, e alinhar seus procedimentos de forma a compartilhar com mais grupos os resultados obtidos, construir uma nova imagem frente à população, criando oportunidades e reduzindo conflitos”.
Carolina Furtado, Head of Legal da Anglo American
T2S (transformações para a sustentabilidade), crédito e pequena mineração
O mundo ainda está mobilizado para superar a pandemia da COVID19. No entanto, há sinais de uma gradual retomada das atividades industriais, o que aponta para um potencial aumento global da atividade mineral em 2021. Por outro lado, a sociedade tem exigido um melhor desempenho de ESG da mineração, e essa exigência está sendo incorporada às regras de acesso ao crédito para empreendimentos de mineração. Essa tendência estará presente de forma mais acentuada no setor da micro e da pequena mineração, onde a avaliação dos investimentos será cada vez mais pautada pelo desempenho t2s (transformações para sustentabilidade) dos empreendimentos. Por essa razão, as iniciativas privadas e as políticas públicas para o setor deverão priorizar o associativismo e o cooperativismo mineral, e sua extensão à micro e à pequena mineração.
Giorigio De Tomi, Diretor do Núcleo de Pesquisa para a Mineração Responsável (NAP) da Universidade de São Paulo USP
Criação de valor: transparência, segurança, desenvolvimento local e inclusão
Acho que será um ano de “déjà vu” e que, portanto, muitas das ações adotadas em 2020 vão permanecer na agenda prioritária da mineração, tais como criação de valor a longo prazo a partir da incorporação definitiva da sustentabilidade na estratégia de negócio, relacionamento transparente com a comunidade, incentivo ao desenvolvimento local, investimento massivo em tecnologia e segurança, foco nas ações de prevenção com destaque às ações de prevenção à COVID19, pois ainda temos um grande desafio pela frente, adoção de práticas para aumentar a diversidade e inclusão em todos os níveis hierárquicos.
Renata Ferrari, Head of Legal, Compliance & Institutional Relations na Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM)
ESG: do compromisso à obrigação
A atipicidade do ano que se encerra pode embaralhar previsões objetivas, mas pode também iluminar os caminhos que devemos trilhar. Com as modificações estruturais pelas quais os mercados e as sociedades estão passando, é preciso perceber que estão em curso mudanças profundas nas prioridades e perspectivas da atividade mineral, que se refletem cada vez mais na identificação dos papéis social, econômico, ambiental e humano da mineração.
Diante disso, em 2021 e nos anos subsequentes, iniciativas voltadas à sustentabilidade em uma forma mais ampla e robusta – tais como as que vemos estampadas em rubricas como “conduta empresarial responsável” (Responsible Business Conduct) e “ESG” (Environment, Social and Governance) – devem solidificar-se como parâmetros inescapáveis para as empresas, independentemente de seu porte ou local de produção. Como consequência, a regulação doméstica e global da atividade deverá experimentar alteração correspondente, como forma de agregar e descrever obrigações – e não só compromissos – indispensáveis ao desenvolvimento sustentável, especialmente dos países exportadores.
Espera-se, portanto, nos próximos anos, uma verdadeira mudança de paradigma, que deve referenciar a mineração e sua relação com stakeholders, governos e sociedade a partir de um novo vocabulário.
Gabriel Maldonado, Diretor de Desenvolvimento Sustentável na Mineração na Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral (SGM) do Ministério de Minas e Energia (MME)
Competência, transparência e materialidade: Sistema Brasileiro de Recursos e Reservas Minerais
A tríade de princípios básicos que regem os códigos e guias para Declaração de Recursos e Reservas de todas as entidades que compõem o Committee for Mineral Reserves, International Reporting Standards (CRIRSCO) vem ganhando força e inspirando entidades regulatórias importantíssimas como a Agência Nacional de Mineração (ANM), no Brasil, e a Securities and Exchange Comission (SEC), nos Estados Unidos.
Ambas as entidades abriram canais de consulta pública para subsídio aos respectivos processos de modernização e simplificação pelo qual vêm passando e, apesar de terem mantido regulamentos próprios, ambas adotaram pública e oficialmente as definições e conceitos do CRIRSCO como referência.
Depois do lançamento de instrumentos como Protocolo Digital, da plataforma para acesso simplificado à legislação mineral (ANMLegis) e do Sistema de Requerimento Eletrônico de Pesquisa Mineral (REPEM), espera-se para 2021 o lançamento do Sistema Brasileiro de Recursos e Reservas Minerais. Ele será usado pela ANM para, entre outras funções, consolidar as informações relativas ao inventário mineral brasileiro e monitorar as práticas de mercado do setor mineral, com o objetivo de contribuir para a promoção do melhor aproveitamento dos recursos e das reservas minerais do país.
Celeste Queiroz Pereira, vice-presidente da Comissão Brasileira de Recursos e Reservas (CBRR)
Investimento em pessoas para liderarem as novas ferramentas tecnológicas
A inovação e novas tecnologias podem alavancar grandes ganhos em rentabilidade de capital, produtividade, segurança e meio ambiental na indústria da mineração. Porém, para alcançar estes ganhos, é necessário que se faça um investimento significativo em pessoas, na capacidade e estrutura da força de trabalho. As inovações tecnológicas trazem mudanças operacionais e de processo, mas trazem também novas formas de trabalho, que requerem mudanças de mindset
para adoção dessas novas tecnologias e uma maior adaptabilidade às constantes mudanças. As pessoas são o centro e o motor desse movimento. Por isso, as empresas da indústria mineral precisam se preparar e compreender melhor as avenidas que estão sendo abertas e o impacto das pessoas nessas transformações.
Cláudia Diniz, Diretora Executiva do Mining Hub e fundadora e diretora do Women in Mining Brasil
Divisão de resultados, diversidade de pessoas e integração social
“Acredito que, em linhas gerais, as dificuldades relacionadas a licenciamento ambiental e a gestão de riscos de barragens continuarão sendo variáveis muito importante, inclusive para fins de investimento. É inevitável que as empresas de mineração continuem sendo questionadas sobre a segurança de seus empreendimentos, após as duas tragédias recentes. Além disso, considerando o que parece ser um novo ciclo de alta das commodities minerais e os bons resultados das mineradoras em 2020 mesmo em cenário de pandemia, outra tendência será a de tentativa de elevação de tributação das empresas mineradoras.
No entanto, acredito que uma tendência para o ano de 2021 será a pauta da diversidade, em geral, e a incorporação de mais mulheres na força de trabalho, em particular. A atividade de mineração sempre foi conservadora e masculina (para não dizer machista), ensimesmada e autossuficiente. Como todo processo histórico, não há como precisar o momento em que os movimentos feministas e LGBTQ+ começaram a pressionar as instituições, públicas e privadas, pelo exercício pleno dos seus direitos, o que reflete na construção de políticas públicas e na formação educacional que, consequentemente, coloca cada vez mais mulheres no mercado de trabalho, e não somente nos trabalhos chamados com uma dose de sarcasmo de “trabalhos de escritório”, mas também para as funções nas áreas de engenharia, geologia, manutenção, entre outras.
Adicionalmente, a mineração está sendo cada vez mais pressionada pela sociedade a rever seus modelos produtivos, seus processos internos, seus fluxos de trabalho, de modo a promover melhorias para toda a coletividade. A mineração, atividade que nos define como humanos, haja vista as substâncias que nomeiam nossas eras (pedra, bronze, ferro, ouro, etc.), será pressionada a “fazer diferente” do que há séculos vem fazendo, e “se adaptar” de forma rápida às mudanças sociais e tecnológicas. Acredito que o mais premente será a implementação de medidas concretas (não apenas discursos) voltadas à redução de contribuições para o aquecimento global, num primeiro momento, e, em paralelo, o reaproveitamento de resíduos.”
Leonardo Gandara, Legal Manager na Equinox Gold Corp.
Novo capítulo no acesso às áreas minerárias: a regulação da desapropriação
“A lei de criação da Agência Nacional de Mineração (ANM), de 2017, assinalou novas competências relevantes para o órgão. Algumas foram regulamentadas em 2020, e um tema provavelmente avançará em 2021: a desapropriação de imóveis em favor da atividade mineral, viabilizada por declarações de utilidade da ANM, o que já está consolidado em outras indústrias, mas que ainda é novo para a mineração. Com isso, será criado um instrumento para articular os interesses do minerador e do superficiário, diminuindo os entraves de acesso às áreas para desenvolvimento de projetos e, ao mesmo tempo, simplificando e reduzindo o tempo de recebimento das contraprestações financeiras devidas aos proprietários.”
William Freire, fundador do Instituto Brasileiro de Direito Minerário (IBDM)
Desburocratização e transformação digital da pesquisa mineral
Após anos de estagnação, 2021 deve trazer o início de uma retomada dos investimentos em pesquisa mineral. A baixa taxa de juros global, a oferta de milhares de áreas para pesquisa em ambientes geológicos favoráveis, por meio dos novos editais de disponibilidade e valorização das commodities minerais, propiciará a retomada.
A transformação digital da ANM deve seguir favorecendo a pesquisa mineral. O ano deve ser marcado pela regulamentação e pela padronização dos relatórios de pesquisa eletrônicos e declaração de recursos e reservas, o que facilitará a gestão do patrimônio mineral (dados de pesquisa) em “tempo real”.
Em consonância com a transformação da ANM, a imersão provocada pela pandemia em 2020 reduziu a aversão de gestores e empresas de mineração às tecnologias cloud computing. O ano marcará o investimento em recursos humanos e financeiros para remodelagem de processos internos e integração de sistemas que permitam revisitar e coletar dados exploratórios. Essas ferramentas subsidiarão o uso de Inteligência Artificial (IA), que otimizará a descoberta de novos depósitos minerais ainda nessa nova década.
Enfim, 2021 marcará não apenas um novo ano, mas uma virada de década para a pesquisa mineral brasileira.
Rafael Brant, fundador do jazida.com
(Fonte: Jota Info)